quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

ORQUIDEAS BRANCAS


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Por trás da vidraça na noite fria, a chuva deslizava embaçando a visão. A madrugada sua companheira, nas noites de insônia, hoje se arrastava penosamente, a sensação era que o dia nunca amanheceria.
Sempre gostou de observar a chuva, de fechar os olhos e respirar fundo saboreando o cheiro da terra molhada. Um sorriso no canto da boca a surpreendeu quando lembrou dela menina, se deliciando no banho de chuva chutando as poças d’agua. Adultos não fazem isso. Lamentou. A menina cresceu, mas sua parte inocente ainda sobrevive,  algo dentro dela ainda a mantém ingênua.   
Insônia é coisa difícil, uma amolação, O corpo exausto, o pensamento cansado, o raciocínio pedindo demissão e ela é visita que chega e se esquece de ir embora. 
O que nos tira o sono nos dá sonhos.  A insônia foi acordada certamente por um inusitado acontecimento: 
A rotina do dia havia passado, carregada de trabalho, o chefe do escritório de advocacia não lhe dava trégua, chamando-a a cada segundo, questionando, criticando, empurrando mais processos.
Passava um pouco das três da tarde quando um mensageiro chegou perguntando por ela tendo em mãos um arranjo de alvas orquídeas.
O cartão apenso dizia: _ A você que encanta minhas manhãs... sem assinatura
Insistiu inutilmente que o portador lhe dissesse quem era o galanteador anônimo, colocou as flores sobre a mesa e como era de se esperar, perdeu a concentração. Os processos ficaram acumulados ao lado das orquídeas.
Agora as orquídeas perfumam seu quarto e convidaram a insônia para que   juntas tentassem descobrir de quem seria o adorável gesto. 
Aos 26 anos já havia desistido de romance. Depois da traição de Roberto a amargura e a decepção haviam gelado seu coração, mas algo lá dentro ainda deseja alguém disposto a provar que ela esta errada em desacreditar de tudo, nos braços de alguém ela ainda espera encontrar seus sonhos de menina. Vivia, porém, cercada de gente pelos menos vinte anos mais velha, assim ela não era opção de conversa para ninguém. Viviam enclausurados no pequeno apartamento ela e seu gato Getúlio.
Difícil dormir com aquela pergunta martelando o cérebro: - Quem me mandou as flores?
Começou a procurar na memória possíveis admiradores. O galanteador diário da padaria? Não, era muito troglodita para pensar num gesto desses. Talvez alguém do prédio do escritório, ou talvez do prédio onde mora. Um homem apaixonado com certeza daria algum sinal antes das orquídeas. Um olhar diferente um sorriso um cumprimento. 
_ Será que na minha estupidez não percebi nada? Pensou alto.
 O rapaz do ponto de ônibus, sim poderia ser ele:  lhe chamava a atenção seu jeito triste. Sempre com um fone nos ouvidos. Sempre com um cigarro na boca. Nunca sorria. Nunca falava com ninguém, mas uns dias atrás puxou conversa com ela falando sobre o tempo e o atraso do ônibus.
Pensava e não conseguia parar de imaginar como seria o admirador secreto e a única ajuda que a insônia, deitada ao seu lado, lhe dava, era espantar de quando em quando o sono.
 Lembrou-se do advogado recentemente admitido, da conversa no cafezinho, do sorriso simpático, do elogio ao seu cabelo sedoso e a sua blusa de renda branca que deixava transparecer uma pequena parte do seu belo busto.
De repente num salto pulou da cama foi até as orquídeas pegou o cartão e lá estava “Floricultura Bem me quer”...   _é isso!!  Amanhã sem falta vou até a floricultura e não saio de lá sem descobrir o remetente.
Acordou tarde, perdeu a hora e saiu em disparada. Encontrou o rapaz do ponto de ônibus, também atrasado. Ao vê-la fez um cumprimento com a cabeça acompanhado de um sorriso discreto.  Bem que poderia ser ele disse a si mesma, imaginando um desfecho romântico.
A manhã passou vagarosamente... foi muitas vezes até a copa procurar um café e o encontro com o advogado galanteador...inutilmente.
Perguntou por ele à recepcionista que assegurou que estaria no escritório no período da tarde.  Ficou arquitetando um modo de sutilmente perguntar a ele sobre as orquídeas e distraidamente derrubou café num dos processos. Consertar o estrago levou muito tempo: perdeu a hora do almoço. Um lanche às pressas e teve de voltar ao trabalho. A ida a floricultura ficou para o fim do expediente.
Envolvida no trabalho nem percebeu quando o advogado galanteador, se aproximou de sua mesa.
_Boa tarde! Você está com o processo dos Almeida e Castro?
 Levantou o olhar por cima dos óculos, e lá estava ele...nervosa derrubou os processos, enquanto procurava o dele, que gentilmente agachou-se ajudando-a a recolher os que ficaram esparramados pelo chão. Ela ruborizou quando sem querer suas mãos se tocaram. 
De posse do processo se retirou, mas ao chegar a porta olhou para traz e lhe mandou um sorriso.   O bastante para que ela tivesse certeza que era ele. 
 Enfim, final de expediente e lá foi ela a caminho da floricultura, uns seis quarteirões e estava à porta de entrada, respirou fundo, tomou coragem e entrou:
Uma floricultura muito elegante, apinhada de flores de todas as espécies e orquídeas muitas orquídeas que perfumavam o ambiente. Seu admirador tinha bom gosto, concluiu na sua cabecinha lisonjeada.
-Bom dia!
-Bom dia, respondeu solicito um senhor atrás do balcão, em que posso ajuda-la?
-Gostaria que me fizesse um enorme favor. Recebi ontem no trabalho um arranjo com lindas orquídeas brancas, mas o cartão veio sem remetente e.
Foi bruscamente interrompida:
-A senhora recebeu as orquídeas brancas?
-Sim, fui eu, mas o remetente….
- O escritório em que senhora trabalha fica no prédio Trianon?
-Sim
_Por acaso o nome da senhora é Clarisse?
_Sim, Sim 
_Zeca ...Oh Zeca, venha já aqui, berrou o atendente
O mensageiro que lhe entregou as flores apareceu no fundo da loja.
_Sabe o que você fez. Seu Moleque ...
O mensageiro só balançou assustado a cabeça numa negativa... 
_ Você entregou as orquídeas para a Clarisse errada !!!!




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