quinta-feira, 18 de abril de 2019

"COM A GRAÇA DE UM ESPANTO"

“A morte deveria ser assim:
Um céu que pouco a pouco anoitecesse
E a gente nem soubesse que era o fim” 
 (Mario Quintana)

Leio que estudo recente apontou que 42% das mulheres sofrem com as altas temperaturas corporais até os 65 anos. O problema pode afetar também a vida sexual das pessoas nessa faixa etária.
Leio e fico assustada.
Leio também que a partir dos 50 anos algumas mulheres começam a sofrer da perda de cabelo ou alopecia.
Com certeza aos 60 estarei Careca.
Fico assustadíssima
E que a partir dos 30 perdemos 50 mil células cerebrais por dia, faço as contas: 50 células por dia vezes 365 dias ...Cerca de 1 milhão num ano. !!
Concluo aterrorizada: aos 65 não terei mais cérebro: viverei apenas de vagas lembranças.
Melhor usar da falta de memória, presente da velhice, e esquecer esses dados para não ficar neurótica. Um dia desses, tentando sustentar a conversa desinteressante com alguém me peguei pensando: Eu aqui perdendo meus preciosos neurônios com essa mala!!
Envelhecer não é fácil. Longe disso. A sensação é a de estar afundando em areia movediça; E olha que ainda estou me acostumando a ser chamada de senhora sem olhar para os lados para descobrir com quem estão falando. Lidar com a inexorabilidade desse processo exige uma habilidade da qual não estamos preparados. Por outro lado, bom lembrar que a velhice não é tão ruim quando você considera a alternativa: você não quer envelhecer, prepare-se para morrer.
A verdade é que estou mais velha. Estou mais chata. Sem tolerância, sem paciência - coisa que nunca tive -. Não ando suportando lugar apertado e música alta. Não bebo vinho vagabundo, não aguento ouvir reclamações de amigas que estão tristes porque não entram em um jeans 42. 
Sabe que à medida que vou ficando mais velha, vai me dando uma preguiça...não aquela preguiça que me impede de fazer as coisas, é uma preguiça diferente. Preguiça de gente chata, de gente egoísta, de gente que complica as coisas. Preguiça de coisas difíceis, de filmes ruins, de bebidas amargas. O bom de ficar velha é que dá uma preguiça de sofrer...
Na adolescência, eu acalentava a sincera esperança de que algum vampiro achasse o meu pescoço interessante o suficiente para me garantir a imortalidade. Mas acabei aceitando que vampiros não existem, embora circulem muitos chupadores de sangue por aí. Isso só para dizer que é claro que, se pudesse escolher, eu não morreria. Mas essa é uma obviedade que não nos leva a lugar algum.  Que ninguém quer morrer, todo mundo sabe A velhice é o que é. É o que é para cada um, mas é o que é para todos, também. Ser velho é estar perto da morte. E essa é uma experiência dura, duríssima até, mas também profunda.  Negar o inevitável, é inútil serve apenas para engordar o nosso medo sem que aprendamos nada que valha a pena. 
Da mesma forma que ensaiamos os primeiros passos por imitação, temos que aprender a ser adolescentes, adultos e a ficar cada vez mais velhos.
Hoje em dia quase ninguém se assume como velho. Mesmo quem já atingiu idade avançada costuma fazer questão de dar a impressão de ser mais jovem. Chamar alguém de “velho” é quase uma ofensa.
Desde que a juventude virou não mais uma fase da vida, mas uma vida inteira, temos convivido com essas tentativas de ludibriar a velhice também nas palavras. Vale tudo. Asilo virou casa de repouso, como se isso mudasse o significado do que é estar apartado do mundo. Velhice virou terceira idade e, a pior de todas, “melhor idade”. Tenho anunciado a amigos e familiares que, se alguém ousar me dizer que estou na “melhor idade”, vou romper meu pacto pessoal de não violência. O mesmo vale para o primeiro que se arriscar a falar comigo no diminutivo, como se eu tivesse voltado a ser criança. Insuportável!
A velhice nos lembra da proximidade do fim, portanto acharam por bem eliminá-la. Numa sociedade em que a juventude é não uma fase da vida, mas um valor, envelhecer é perder valor.  Chamar de idoso aquele que viveu mais é arrancar seus dentes na linguagem. Velho é uma palavra com caninos afiados – idoso é uma palavra banguela. Velho é letra forte. Idoso é fisicamente débil, palavra que diz de um corpo, não de um espírito. Idoso fala de uma condição efêmera, velho reivindica memória acumulada. Idoso pode ser apenas “ido”, aquele que já foi.
Acho que devíamos nos rebelar. E não permitir que nos roubem nem a velhice nem a morte, não deixar que nos reduzam a palavras bobas, à cosmética da linguagem. Nem consentir que calem o que temos a dizer e a viver nessa fase da vida que, se não chegou, ainda chegará. 
Quando chegar a minha hora, por favor, me chamem de velha. Me sentirei honrada com o reconhecimento da minha força. Sei que estou envelhecendo, testemunho essa passagem no meu corpo e, para o futuro, espero contar com um espírito cada vez mais velho para ter a coragem de encerrar minha travessia com “ a graça de um espanto”.
Ainda que maldigamos o envelhecimento, é ele que nos traz a aceitação das ambiguidades, das diferenças, do contraditório e abre espaço para uma diversidade de experiências com as quais nem sonhávamos anteriormente.  Aprendemos a ser mais autênticos porque deixamos para trás o medo do que outras pessoas iriam dizer ou pensar e a realizar o trabalho mais difícil que faremos em toda a nossa existência, mas também um dos mais gratificantes: Conhecer a nós mesmos.
Esse conhecimento nos chega através de nossa trajetória e é cumulativo. Sei muito mais do que sabia antes, o que significa que sei muito menos do que achava que sabia aos 20 e aos 30. Sou consciente de que tudo – fama ou fracasso – é efêmero. Me apavoro bem menos. Não embarco em qualquer papinho mole. Me estatelei de cara no chão um número de vezes suficiente para saber que acabo me levantando. Tento conviver bem com as minhas marcas. Conheço cada vez mais os meus limites e tenho me batido para aceitá-los. Continua doendo bastante, mas consigo lidar melhor com as minhas perdas. Troco com mais frequência o drama pelo humor nos “comezinhos do cotidiano”. Mantenho as memórias que me importam e jogo os entulhos fora. Torço para que as pessoas que amo envelheçam porque elas ficam menos vaidosas e mais divertidas. E espero que tenha tempo para envelhecer muito mais o meu espírito, porque ainda sofro à toa e tenho umas cacas grudadas à minha alma das quais preciso me livrar porque não me pertencem. Espero chegar aos 80 mais interessante, intensa e engraçada do que sou hoje.


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