quarta-feira, 14 de outubro de 2020

ENQUANTO O LOBO NÃO VEM



                             

“Se ela se distraísse acabaria sendo feliz para sempre” 
Ruy Castro in“Ela é Carioca”

         
           Fazemos o que com nosso tempo?
           Nos ocupamos.
     Levantamos atrasados, engolimos o café apressadamente, enfrentamos o gargalo do transito já com a alma engarrafada.
         Desejamos um lar, uma profissão, ter amigos, coisas que nos ensinaram a desejar, projetos socialmente aprovados: ser feliz  para sempre.
          Acomodados. 
          Levando a vida em banho Maria. 
          Sem ousar experimentar.
       Sem conhecer as delicias de ser feliz por uns meses, depois curtir a infelicidade por dias.  Ser feliz em novembro porque uma ousadia deu certo, e infeliz em dezembro por que durou pouco. 
         Indispensável cultivar uma relação amigável com a solidão.        Muitas vezes a verdade de uma relação pode estar na impossibilidade.
      Admiráveis pessoas possuídas de si mesmas, que não se perdem, por angustias ou incertezas, questionam as dúvidas e enfrentam as encruzilhadas; mesmo que depois se arrependam do caminho escolhido, fazem do seu jeito, transgridem, queimam etapas: não se demoram onde não precisam parar.
         Preciso é, construí castelos; mesmo que venham ao chão, antes de concluídos, castelos que exigiram esforço, paixão, que esperançaram, mesmo que alguém, com uma frase com um gesto, os ponham a baixo sem considerar que lá dentro... havia alguém.
        Um projeto empolgante demais, uma paixão incontrolável demais, ideias ameaçadoras, desejos ardentes de mais: virão alvo, e o quem os derruba?
            A nossa vulnerabilidade. 
       A vida é transitoriedade, edificada sobre erros, sobre renúncias, trocando  sonhos e  ilusões pela construção do possível e do necessário, conquistando e perdendo. Superar a perda pede audácia, desprendimento e é o desejo da conquista que nos impulsiona.                  Desejar é ficar de pé, é o que nos move. Desejo é força pulsante, não permite acomodação. Entretanto, nada é mais vulnerável que o nosso desejo.
         Muitas vezes, por medo, por falta de confiança em nossas próprias defesas, trocamos o desejo  pela ponderação. Nenhum risco nos ameaça, nenhuma surpresa nos assola a alma. Estamos confortavelmente salvos nos protegendo de grandes emoções e sem nos darmos conta, na solitária alma, toma assento a desolação
            Urgente estar sempre a erguer novos castelos, homenagens póstumas ás nossas pequenas mortes .  Esquecer a demasiada sensatez, ter esperança; qualquer esperança. . A vida é potencial a ser desenvolvido. Viver é construir intensos momentos que, quando relembrados, tomam o corpo inteiro, trazendo o delicioso prazer do que um dia foi experimentado. 
        Imperioso construir uma vida cuja história mereça ser contada.    
               Enquanto o lobo, do fim do nosso tempo, não vem.





Nenhum comentário:

Postar um comentário